Se houvesse um relógio em
meus aposentos, certamente apontaria quatro horas da manhã. Quem me disse isso
foi a tímida fresta de luz que teimava em acariciar minhas pálpebras.
Levantei-me meio zonzo e
caminhei até a janela um tanto alta. Equilibrei-me em cima de um banquinho de
madeira meio capenga, para assuntar melhor a madrugada do lado de fora.
Ainda estava escuro, mas as
lavadeiras, pouco a pouco, punham suas cabecinhas alvas por cima de seus ninhos
para ver o mundo. Também elas amam a luz. Também elas amam a liberdade. Quisera
eu poder, como elas, voar.
Enquanto olhava o despertar
das aves, pelo velho vitrô enferrujado, o pensamento vagava pela infância de um
menino pobre que catava pedrinhas no riacho. Revi a primeira namoradinha de
olhar doce e voz de querubim. Ah, como eu desejava ser um jovem Manet para
poder pintá-la com tamanha delicadeza. Segurei mais uma vez entre meus dedos a
coisa mais preciosa que conheci na vida: um lindo livro de poesias com o qual
aprendi a sonhar. Ele era exuberante aos meus olhos humildes. Sua capa era de
um vermelho encarnado, com o desenho de uma meia lua prateada ao meio e logo
abaixo lia-se aquele nome que meus lábios mal podiam balbuciar sem tremer de
emoção. Que saudade daquele livro! Que saudade de mim...
Tentei, inutilmente,
entender como fui parar no cárcere. Não consegui. Um pensamento vão: as troças
com os amigos de outrora, a moça deselegante que anunciava em alto e bom tom
nos corredores do trabalho, a proeza do nosso casório. Ríamos muito daquilo
tudo. Mas ainda assim, nada se explicava.
Cá estou eu, um detento em
seu cômodo escuro. Por companhia, uns pensamentos torturantes e ele, o cárcere.
Ele que me domina completamente, cerceia os meus olhares, filtra meus parcos
contatos, escraviza-me as vontades, dita-me os limites do meu próprio espaço.
- Ele é quadrado, de corpo e
de pensamento. Ele é mesquinho, de ações e de sentimentos. Ele é áspero de
contato e de atitudes. -
E eu, que dele desdenhava,
dele passei a ser. Tornei-me prisioneiro em suas grades invisíveis. Um cativo
do medo. Ele vive ao meu lado a todo instante, dorme e acorda em meu leito. Estou
nele, como ele em mim. E, para minha má sorte, aprendi a sonhar com a poesia,
mas não tenho o ímpeto das lavadeiras. Tampouco tenho aparatos para voar.
As nuvens começaram a ficar
esparsas e o sol amanhecia sem graça. Fazia frio cá dentro, mais que lá fora.
As lavadeiras agora arriscavam um voo rápido e um canto gracioso. Dentro do
quarto sombrio, o cárcere me chamava. Desci do banquinho manco, retornei ao meu
lugar de origem e resguardei-me cá dentro de mim.
Fabiana Gusmão Rocha, 1º de
julho de 2019.
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