sábado, 11 de dezembro de 2021

DEZEMBRO


 















Lá fora chove 

e agora é dezembro...

dezembro do menino desaparecido,

fustigado,

do mundo ceifado,

da própria história apagado,

dezembro da mãe que chora,

do olhar que se demora

na cruz vazia.

Dezembro dos homens 

de liberdade assombrada,

de almas maculadas,

de punhos de aço,

de olhar distorcido,

com o julgo na cintura

e a sentença nas mãos…

É dezembro e ela espera o menino.

E mais uma vez ele não volta.

E mais uma vez ela grita.

E mais uma vez a revolta:


- Por que ele nunca se foi?


É dezembro, e daí?

O Natal começa a surgir nas vitrines das lojas,

nas prateleiras dos mercados,

nas varandas iluminadas.

É dezembro e perecemos,

entregues às nossas ilusões.


Fabiana Rocha, 10 de dezembro de 2021.





quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

CANÇÃO TARDIA


É tarde, amor...

recai sobre os homens a escuridão.

Sobre os seus quintais

a lua sequer brotou

e todos os seres seguem sem direção.

É tarde, amor…

e a música na vitrola não toca.

Sobre a pista nenhuma alma dança

e todos os passos levam a nenhum lugar.

É tarde, amor…

a canção outrora entoada

ficou presa entre as cordas vazias.

E nos versos antes tão profusos

já não há mais poesia.

É tarde, amor…

e no relógio não cabem mais horas.

É tarde, amor...

e agora?

Dormem os sonhos e a noite, cansada, demora a passar.


Fabiana Rocha,


08 de dezembro de 2021.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

CONTRAPONTO


Ela é alma,


Ele é matéria.


Ele é o fato,


Ela é etérea.


Ela transcende


Ele é transcrito.


Ele transpira,


ela suspira.


Ele é labor,


ela delira.


Ela é via de mão dupla


Ele, beco sem saída…


Ele limita


e ela excede:


                 o papel,


                 a palavra,


                 o sentido,


                 a vida.                     


Fabiana Rocha, 01 de dezembro de 2021.

domingo, 28 de novembro de 2021

DEPOIS


Seria perda de tempo,

depois do sol

depois da chuva

de noites memoráveis

e dias inesquecíveis.

Seria perda de tempo,

depois de todo o choro,

depois do riso farto,

de tanto nascer,

crescer,

florir,

morrer.

Seria perda de tempo,

depois da luta extenuante

do descanso tardio,

depois da espera,

da chegada,

e da partida.

Seria perda de tempo,

depois da estrada trilhada,

das encostas,

das paradas,

da luz acesa

e da Lua apagada,

dizer da vida o não vivido.


Fabiana Gusmão Rocha, 28 de novembro de 2021.







sábado, 27 de novembro de 2021

SOBRE PARÁFRASES E CITAÇÕES


Bendita Última Flor do Lácio
e a Cantiga Para não Morrer,

bendito Soneto de Fidelidade

e a Via Láctea ao anoitecer!


Bendita Liberdade Clandestina,

o Fanatismo que não tem fim,

bendito Motivo de cada instante,

e o Amor Feinho que cabe em mim!


Bendito Laço de Fita eternizado

e o Quarto de Despejo a doer

bendito Guardador de Águas,

E as Vozes-mulheres em meu ser.


Benditos Bilac, Lispector, Gular, Vinícius, Meirelles,Espanca, Coralina, Barros,do Prado, 

Evaristo, Alves e de Jesus

bendita a poesia que me salva,

Bendita a arte que me conduz!



Fabiana Rocha,

27/11/2021.









O QUE SOBRA

Ao final do dia sempre sobra um poema,

porque sempre há um luar.

Sempre há um jardim.

Sempre há um regresso.

Sempre há uma partida.

Sempre há uma saudade.

Sempre há um reencontro.

Um amor presente e

outro para recordar...

Uma música antiga

já quase esquecida...

Uma janela para o horizonte

e um sol retirante.

Sons familiares,

risos consoladores

silêncios intermináveis...

Um aconchego,

um afago,

o tempo...

o tempo...

o tempo...

E fim.


Fabiana Rocha

24 de novembro de 2021.


segunda-feira, 15 de novembro de 2021

PARA GOSTAR DE POESIA

 














Para gostar de poesia

andar entre as nuvens

ter sonhos nos olhos

a alma infinita

asas na imaginação.


Para gostar de poesia

pó de magia

casinha na montanha

saudade tamanha

sentir na contramão.


Para gostar de poesia

asas de borboleta

um silêncio profundo

as dores do mundo

ser só na multidão.


Para gostar de poesia

arco-íris

lírio da chuva

limo nas pedras

teia de aranha

som de vento

dança das ondas

viagem do rio

vida...

morte...

coisas do coração.


Fabiana Rocha,

13/11/2021.









CIVILIZAÇÃO


Era uma rua sem beira,
sem asfalto

nem terra

sem calçada

e descalça

era uma rua sem chão.

Era uma estrada erma 

sem ida

nem volta

sem encosta

e na via oposta

era estrada na contramão.

Era um caminho sem sombras

sem guarida

nem adorno

sem sereno

e na verdade

era um caminho sem direção.

Nesse lugar:

pássaros engaiolados,

poetas amordaçados,

pessoas esfomeadas,

almas atormentadas,

e o torpor das redes sociais.

Nesse lugar,

não se pisa sem ter trincado:

o pé,

o solado,

o pneu recapado,

as patas receosas,

a cabeça,

o coração...

Nessa rua,

sem urbanidade,

tudo cheira a civilização.


Fabiana Rocha,

21/10/2021.

quarta-feira, 25 de agosto de 2021

O LOUCO


 










A lua teimosa no céu matutino,

delírio de um solitário transeunte,

protagonista do seu próprio sonho,

dança e balbucia sons inaudíveis,

palavras esquecidas no léxico bolorento,

desconexo texto sem idioma.

Ninguém o vê em seu posto,

guardador fiel de suas quimeras...

A calçada é dura.

O inverno treme.

O vento inventa o açoite:

enrijece os músculos,

os cílios,

os dentes,

a voz.

O louco, da calçada sorri

a um bem-te-vi forasteiro

que canta a canção dos degredados

e zomba da desumana sorte

de ser só em meio a humanidade.

O sono é longo demais,

avança por intermináveis dias

nada o desperta,

permanece à deriva.

Sequer a mímica alegre

da criança que brinca

ao redor do contêiner

enquanto a sua mãe cata o sustento

e conta histórias sem final feliz...

O louco ri sonoramente

e regozija-se de sua inconsciência.

 

Fabiana Rocha, 25/08/2021.


segunda-feira, 23 de agosto de 2021

GÉRBERA













No limiar do sonho da tua pétala vermelha;

devaneio de um colibri pairando no ar.

Os raios translúcidos de um sol esquecido;

banhando-lhe a tez enrubescida de amor.

Numa tarde de ternura adormecida;

o inverno ancião fazendo corte

à primavera emprenhada em ti.

Moça ornada de verdes, tons e perfumes;

alegra-me olhar-te assim,

tão perto e cheia de encanto;

conserva teu vigor, portanto,

rainha num pequeno jardim.


Fabiana Rocha, 23/08/2021.

 

domingo, 8 de agosto de 2021

O SOL SORRI



O sol sorri

no desenho de papel.

E à noite, debaixo

da sacada do edifício,

a lua perene em néon 

cor de prata também parece sorrir.

O sol sorri

rabiscado na calçada

dura e fria.

E à noite, a mesma lua,

com o mesmo fiapo de lábio 

sorri de mim.


Fabiana Rocha, 08/08/2021.


Imagem retirada do Pinterest, "Arte de rua".


sábado, 7 de agosto de 2021

AQUILO QUE NINGUÉM VIU













Não te acompanharei 
à mesa,

à missa,

ao altar.

Não dividirei

o catre,

a farinha,

o jantar.

Não segurarei as tais flores,

vestida de branco,

não serei o seu par.

Não verás o meu ventre,

qual lua cheia, repleto de vida.

Não reclamarei as dívidas,

as dúvidas,

os cuidados,

nem lhe darei os meus.

Vagarei perdida nos sonhos.

É lá onde devo morar.

Como o derradeiro pensamento do dia;

como o primeiro raio de sol;

como o cheiro de figo maduro;

como conchinhas na beira do mar;

como a música que embalou uma década;

como as cartas de amor não escritas…

Como a curva desse riso discreto que ninguém conhece a razão.

Como o rio que alimenta o mar e as vidas ao seu redor.

Como aquilo que ninguém viu.


Fabiana Rocha, 08/08/2021.




sexta-feira, 6 de agosto de 2021

O BEM E O MAL*

















Não é teu o poema guardado,

esquecido e mofado

num 'HD' insondável e

distante de ti.

Nunca foram teus esses versos

de pés,

de risos,

de dentes,

de língua na língua,

de olhos no olhar atento

do poeta devoto 

nos limites do céu.

Jamais conhecerás a alegria incontida

no refrão ensaiado, 

riscado em papel

e inscrito na lua

de lumes desenhados

numa tarde dominical.

Esse poema em 'backup'

não é teu, nem nunca será.

Não és tu a musa sonhada,

vivida,

encarnada,

o ápice do gozo,

telúrica e etérea,

o bem e o mal.


Fabiana Rocha, 05/08/2021.

*Poema publicado na Antologia Internacional Mentes Poéticas II, da Editora Mente Aberta.


domingo, 1 de agosto de 2021

CANTIGA DE PASSARINHO*


O Universo para mim é pequeno,

não me caibo em meu desencanto.

Deus me guarde de toda grade;

das paredes do apartamento;

dos muros do condomínio;

dos limites do meu pensamento.

Deus me livre do caderno antigo;

de cantar o mesmo canto;

do poema cheio de regras

de chorar o mesmo pranto.


Fabiana Rocha, 01/08/2021.

*Poema publicado na Antologia Internacional Mentes Poéticas II, da Editora Mente Aberta.



sexta-feira, 23 de julho de 2021

CARTA AO POETA ADORMECIDO




Disse-me um dia o poeta:

“Ando com uma vontade doida de me tornar poeta,

mesmo sabendo que ser poeta dói.”

“É que às vezes a gente adormece...”

Tornou-me a dizer.

“E enquanto adormeço,

ouço música;

caminho nas nuvens;

olho formiga carregando folha;

pardal pulando na porta do bar,

catando migalhas;

um ônibus que passa carregando pessoas e suas angústias e glórias

vistos de minha janela.

Ah! Ia esquecendo:

vejo o relógio que não roda o tempo por falta de pilha...

 

De repente o amor retorna.”

 

Caro poeta de adormecidos versos,

a poesia por certo visita-lhe os sonhos

e canta ao teu ouvido, feito música;

e leva-te por nuvens a caminhar;

desenha aos teus olhos a

grandeza da formiga em sua pequenina obra

e a alegria dos pássaros vagabundeando

na porta do bar.

Escreve, da janela, cada história de angústia e de glória

de pessoas que nem sabes quem são.

E o tempo parece não ter fim.

E o amor parece não retornar...

Parece que Deus esqueceu-se das horas

e o relógio de pilha adormeceu consigo.

 

Às vezes não ser poeta também dói.

Dói porque a poesia adormecida habita em si.


JeanClaudio/Fabiana Rocha



quinta-feira, 22 de julho de 2021

POEMA QUE NUNCA ESCREVI

 










Ando cismada de ser poeta,

tenho medo da dor que me vai;

tenho medo da dor que minto,

tenho medo da dor que não sai.

 

Tenho vontade de ser poeta

e adormeço, assim, sem mais.

O relógio atrasou o meu tempo,

as horas andam para trás.

 

Sou - eu mesma a palavra

do verso que ontem não vi;

do livro do esquecimento,

sou a frase que nunca li.

 

Vejo o mundo de olhar atento,

conto histórias daqui e dali.

Sou a página já arrancada

do poema que nunca escrevi.

 

Fabiana Rocha