segunda-feira, 26 de abril de 2021

MENSAGEM PÓSTUMA














O mundo deveria ter conhecido você.

Os seus olhinhos de Lua Nova rabiscando a noite.

Um sorriso tímido, apertado entre os lábios,

como se a melhor parte guardasse para si.

A vida deveria tê-lo visto sonhar

e quem sabe andar ao seu lado

segurando sua mão só um instante

e talvez não o deixasse ir.

...Alegre como um arco-íris,

generoso tal qual o sol,

puro e simples como um colibri...

                    Era assim!

Mas nada disso bastou.

Nada pôde deter o fatídico final.

Nenhum suspiro amoroso,

nenhuma súplica póstuma...

O mundo só te viu ao partir.


Fabiana Rocha, 26 de abril de 2021.

Inspirado em uma mensagem póstuma.


OS MONSTROS

 


Os monstros lambem sorrateiramente  os pútridos restos da sua mãe adoecida...

Há dois tipos de monstros.

Os primeiros nascem na dor e na privação se criam; herdeiros de homens há muito violentados, vilipendiados, subtraídos de todo direito, até não serem mais vistos como homens.

A mãe lhes cospe no mundo e lhes cria, roubando-lhes o pertencimento de gente.

Então, os monstros crescem ferozes em ódio, robustos no desejo de devastar quem lhes fez assim.

E a devastam quantas vezes forem possíveis... Matam, roubam, ferem, apedrejam, estupram, violam, vandalizam, devolvendo à mãe tudo que lhes foi ofertado. E ela, percebendo que não mais os tolera, resolve extirpá-los de uma vez da face da terra. 

Esses monstros tem vida curta. Não alcançam a maturidade. Cedo tornam-se estatísticas.

Os segundos monstros são filhos da mesma mãe, nascidos em berços abastados, sob o sol da liberdade e à sombra da impunidade, embalados ao som do hino da terra adorada... E ela lhes sorri gentil, bradando-lhes: Filhos! Filhos!

Então, esses monstros crescem gigantes pelas naturezas vis. 

Ególatras enxergam somente a si. 

A empatia morreu sufocada sob o peso do seu egoísmo. 

Tornam-se vorazes consumidores do dinheiro e da maldade, sequiosos de perversidade e escarnecedores das dores alheias.

Alimentam-se de pequenos e grandes flagelos.

E a despeito de tudo o quanto a sua mãe lhes oferece, eles matam, roubam, ferem, apedrejam, estupram, violam, vandalizam.

Em troca, recebem títulos, honrarias, altos cargos e regalias...

Esses monstros tem vida longa. Possivelmente enterrarão a humanidade. Alguns serão tidos como mitos e circularão entre nós sorridentes, com seus colarinhos brancos e engomados, enquanto agonizamos eternamente.


Fabiana Rocha, 26 de abril de 2021.

Texto escrito a partir do desabafo de um professor angustiado.


O POEMA E A ETERNIDADE (Fabricação de milagres)














Que mágoa pode alguém ter do poema

que não seja dessa perenidade transgressora?

Pela vida passa sempre e em todo o tempo

o mesmo viço das horas do nascimento.


E nasceu na primavera.

Colorido como as flores do campo,

alegre como pirilampos em festa

nos verdes prados enluarados.


Nele, a criança brinca.

Nele, o ancião repousa.

Nele, a eternidade habita.


Não inveje o poeta a sua arte,

pela triste sina de ser mortal.

Enleve a ode, o canto, a palavra;

até que se extinga no verbo, ao final.


Fabiana Rocha, 07/04/2021.

Baseado no poema "Inundar de Infância", de Mia Couto.




 

FLAGELO











(Baseado no conto "A máscara da morte rubra" de  Edgar Allan Poe)


Numa festa à sombra dos já se foram,

em sete salas e em sete cores,

máscaras revestiam feias faces putrefatas,

como num fatídico espetáculo de horrores.


E àquelas horas, caro poeta desatento,

a morte astuta causou tanto espanto,

logrou ao príncipe Próspero e seu povo...

Doze badaladas e já não se ouviu suspiro algum.


Fabiana Rocha, 02/04/2021