quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

MARIA





















Mal vicejou o sol naquele dia
E lá estava a roubar-lhe a luz.
Despida de trajes, ao sol se erguia;
Por vestes, os sonhos, sonhou Maria!

Cismou de querer ser livre
Livre, como um pássaro – livre;
Livre, como um vento – inventado;
Livre... Como deve ser o ser!

Amou o mar sentada na areia;
Emaranhou seus desejos aos de outros e outros...
Marejados olhos, de olhar perdido... E se foi.

Acordou muito cedo, antes do amanhecer;
Viveu a fome e a sede por bem viver
E deitou-se apressada, para a morte não ver!

Fabiana Gusmão, em 27 de dezembro de 2012.

ANTROPOFALANDO





















Da pele quente
Curtida pele ardente
O líquido que escorre
Escarlate,
Amarelo,
Negro,
Em todas as cores,
Nos tons,
Olfatos,
Paladares,
E nos gestos
Não menos sincréticos
Elaborados no chão,
No pátio,
No eito,
Nas arenas,
Nos terreiros,
No ladrilho milenar...
Frutos do mundo,
Dele fecundado,
Nascido,
Vivido e findado
Debaixo de tantos sois
E de tantas luas
Por sobre esta terra
A caminhar
Errantes seres de carne e osso
Não tão santos,
Não tão maus,
Nem tão sábios,
Nem tão tolos.
Tão divinos,
Simplesmente humanos.

Fabiana Gusmão, em 26 de dezembro de 2012.

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

A UM MENINO















Não cabe no algoz sentimento.
Na exatidão, não cabe o delito.
Não cabe consolo no pranto
da mãe que perdeu seu rebento.

Não cabe sonhar o futuro.
Na memória, não cabe a imagem.
Não cabe, meu Deus, tanta dor...
Derrama seu pranto no escuro

Não cabem palavras vazias.
Ao fato, não cabe o sentido.
Não cabe tanta indiferença,
onde falta hombridade, sobra o horror

Não cabe defunto sem choro.
Na cova, não cabe o papel.
Não cabe nenhuma desculpa,
os anjos merecem o céu.

Não cabe na língua o discurso.
Na vida, não cabe ser gente.
Não cabe ser preto, ser pobre,
na Vila que agora é mais triste

Não cabem desaparecidos.
Ao corpo, não cabe exalar.
Não cabe a inocência sumida.
Pés descalços por todo lugar.
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Não cabe nada!
Não cabe ser racional!
Animalizemos os atos, sejamos sensatos!
Roubemos o terço!
Rezemos a missa de corpo passado...
Presente?
Ausente...
Futuro já não caberá!

Fabiana Gusmão

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

REFLEXÃO





















Penso que sou simplesmente um canto,
um verso, um pouco, um tanto,
um nada ao sabor do vento,
um lamento, desejo do que não sei...

Não sei se a hora será tardia;
se será cedo, claro à luz do dia,
que esse canto que me rompe o peito
fará do verso a minha alegria...

Mas digo que não há no que não sei
sequer a sombra daquela agonia;
do riso, outrora morto, que agora tinge a minha face fria.

E como lembrança deixo a ti
meu canto, meu verso, um pouco, um tanto...
Meu lamento... Meu nada ao sabor do vento...

Fabiana Gusmão