sexta-feira, 7 de maio de 2021

EMBRIAGADA DE ENCANTO


 

















Perdoa-me o despautério,

mas se pudesse escolher tal morada, dentro de ti habitaria.

Despertaria à primeira interjeição.

Percorreria, descalça,

cada linha da tua história.

Andaria cuidadosamente

em tua mais genuína criação.

Descansaria à sombra lírica

da mais alucinada canção.

Sorriria a cada uma das tuas troças.

Dos teus cheiros beberia.

Entraria em cada reticência tua,

dos teus sabores provaria.

Me espantaria ante o teu espanto, choraria diante do teu pranto…

E à noite, exauridas as forças,

repousaria em teu cerne,

embriagada de encanto.


Fabiana Rocha.


quinta-feira, 6 de maio de 2021

A MAIS LINDA GEOGRAFIA*

Imagem: web


















Pode o vento do deserto

assoprar na pradaria;

e nas matas ciliares 

tocar sua sinfonia?


Pode o relevo do meu colo

despertar-lhe a fantasia

e ao breve toque dos dedos

revelar-lhe a melodia?


Pode o vale do desejo

percorrer em sincronia

a cadeia montanhosa

em minha cartografia?


Pode o dorso do teu corpo

ser perfeito em harmonia

ao contato do meu solo

na mais linda geografia?


Fabiana Rocha.

*Menção honrosa na Antologia Poética Sarau Brasil 2021, da Vivara Ed.


quarta-feira, 5 de maio de 2021

INATINGÍVEL DESEJO


 






Fosse o náufrago solitário

e às noites de inverno delirasse

que coberta em branco manto

a menina terra lhe sorria.

 

Fosse à noite o lamento

das sombras em busca da luz

e nas galáxias caminhasse

distante e errante estaria.

 

Fosse por hora o tormento

de quem perdido vagueia

em outras constelações,

o cais enfim lhe diria:

 

- Nada pode haver de tão belo

entre o real e o abstrato,

quanto o inatingível desejo. -

E por certo entenderia.

 

 

Fabiana Rocha

 

 

 

 

 

FOLHA SECA

 













Não me tomes por quem és,

folha seca,

não me valho do breve esquecimento.

Rogo aos céus

que o vento lhe carregue

como, enfim, carregou

meu pensamento.

Se agora és o junco na estrada deserta,

outrora foste semente

derramada em campos líricos:

o canto, o deleite, o louvor; 

o sonho, o encanto, o candor.

Não façamos da vossa saga

o martírio do anti-herói.

Toma o teu brado, o teu pranto

e a acidez que lhe corrói.

Não me tomes por quem és,

folha seca e esquecida ao vento.

Regalo de um solo nunca antes tocado,

agora estrada para qualquer um.


Fabiana Rocha, 05 de maio de 2021.


JANELAS









Vejo-te ao longe, infinito;

devorando-me os pensamentos,

devassando-me os instintos,

na sanha do desejo, aflito.


Por trás destas ríspidas telas vazias,

aproveita a fenda que ora te resta,

adentra-me e fica a vontade,

desnuda-me a alma sem pressa...


Desta janela que agora se abre;

tão tênue, tão frágil e fugaz,

revela-se de si, um mundo.


E do outro lado, teu olhar atento,

para além do tangível me espreita,

enxerga-me por dentro e ao fundo.


Fabiana Rocha, 05 de maio de 2021.

segunda-feira, 3 de maio de 2021

OS DOIS SOIS

 














Abre as janelas agora

e deixa que o sol 

me banhe a pele timidamente.

Pois é chegado o outono,

enregelam-me ossos e alma,

aterra-me a escuridão.

Então, deixa entreaberta aquela 

janela na lateral da tua face,

onde dois sois se projetam,

de onde a luz transborda

e o amor aquece.


Fabiana Rocha, 01/05/2021.


AZUL


















Um poema voa 

distraidamente

pelo pensamento

azul do poeta menino...

Azul feito o céu

de agora,

azul como um sonho anil.

E o menino, 

voa,

distraidamente,

na asa do poema 

desenhando seu pensamento

doce,

suave e

sonhado,

no imenso céu azul.


Fabiana Rocha

Mar/2021


Dezessete














A vida às dezessete

não cessa.

O mundo não para

ao cerrar dos olhos.

Nenhum pássaro vadio

interrompeu seu canto

ao som do estampido

às dezessete.

Crianças brincam

na praça esquecida.

enquanto aturdido,

um corpo cai...

E outros tantos

se levantam,

atraídos,

curiosos,

notícia no jornal:

A vida, às dezessete,

interrompida...

E as horas correm

iguais.


Fabiana Rocha, março /2021.

 

INFÂNCIA









Ah, infância esmaecida pelo tempo

brotando daqui e dali à beira da estrada

que leva ao âmago do esquecimento.

Lá onde tudo é guardado.

Lá onde mora a saudade.

Lá onde nasce o que sou...

Vó sempre soube de todas as coisas.

O seu coração era quentinho e grande,

tão grande que certa noite,

depois do Natal, ele transbordou.

Vó, a partir daí, passou a habitar a tal estrada...

Havia tanta magia na casa de vó

como haviam biscoitos e doces em sua dispensa.

E no quintal o imenso Bougainville magenta

separava as cercas do curral.

No curral, o vô apartava os bichos, para cuidar da ordenha

e os cheiros que de lá exalavam enchiam o mundo de cores.

Em frente a casa, cinco árvores enormes

nos serviam de todos os brinquedos imagináveis.

Havia tanta magia na casa de vó

quantas estrelas podem haver nós céus.


Fabiana Rocha, 30/04/2021.